Outro dia eu conversava com um
amigo que entende muito de música. Ele falava com propriedade dos arranjos,
notas e se referia ao “jogo da velha” como sustenido, numa linguagem técnica
magistral. Senti-me a mais esdrúxula das criaturas, mal cabia na minha vexaminosa
ignorância musical. Como poderia eu, dizer-me uma apaixonada por canções, se
tenho duas mãos esquerdas que abortam todas as minhas tentativas de aprender a
tocar um instrumento, e não faço ideia de quantos discos compõem a discografia
de Chico Buarque? Como se pode ser uma
pessoa pseudo-culta sem saber nadica da primeira arte? Logo da primeira? Pensei
em matricular-me em uma escola qualquer que me fizesse entender um pouco mais,
já que a música, como poucas coisas nesse mundo, é capaz de evocar de maneira
singular a emoção humana, fazendo-nos sentir coisas para as quais ainda não
sabemos dar nome. (Aliás, os efeitos terapêuticos da música já são velhos
conhecidos da Psicologia.).
A conversa só mudou de rumo
quando ele começou a criticar alguns gêneros musicais. Os mais populares
tornaram-se alvo de adjetivos incompatíveis com as sensações agridoces e
poéticas que a música faz nascer. Afinal,
quem decide o que toca o outro? Quem decide que aquilo que te faz sentir até os
ossos é bom ou ruim? Música é música, certo? Eu, por exemplo, não gosto de heavy
metal, não me faz sentir nada além de dor de ouvido... Se ao menos me fizesse
sentir algo... Ainda que me fizesse sentir coisas horríveis, mas que me fizesse
sentir! Alguns tipos de música realmente, para mim, são mudos. Para mim! E eu
sou tão pouca gente. Música não faz escala na razão, ela tem conexão direta com
o coração e com isso, meu amigo, cada um que cuide do seu. Mesmo aquelas com
letras bobas, clichês e afins, se nos roubarem por um instante de uma realidade
indigesta, por que não? A gente tem que aprender a se deixar invadir pela
ambivalência que a música provoca, sem julgamentos, sem pré-conceitos. De
Beatles à Jorge e Mateus, todos têm algo a dizer. E dizem lindamente, ainda que
a gente não entenda uma palavra sequer, como quando se tornam belas as músicas
estrangeiras. Até os funks, vejam só, me estampam de risadas e desfazem algumas
rugas de tensão na minha testa... Quem é que vai me dizer que isso não é
válido? Hoje penso que entender de música é bastante simples. É entender que não
precisa ser visceral como Edith Piaf, nem tão genial como Cazuza e Russo, nem poética
como Toquinho e Vinícius... Se me fizer bater o pezinho, deixar minhas pernas
nervosas, meus olhos marejados ou minha boca aberta, tá valendo. Música é
permissão, é encaixe e voz do que não precisa ser dito. Música também é
ridícula, como tudo que é demasiado intenso. Música é quando a ideia de um
monte de gente se encontra, às vezes, pra não dizer nada. E para entender de
música, basta saber que ela não precisa fazer sentido para fazer sentir.