terça-feira, 19 de março de 2013

Sobre o tempo (ou sobre o medo).


Às vezes tenho medo. Um medo daqueles de dar medo. Medo de não haver tempo, porque hoje eu sei que não há. Eu precisaria de mais vidas para experimentar, sentir, gozar e, por que não, doer tudo que quero. Há tanto sentido espalhado sem sentido nenhum. Há tantas pessoas que eu gostaria de conhecer, tantas profissões que eu gostaria de exercer, tanto tudo que eu nada sei dizer. Há tanta coisa pra saber, tantas ciências pra nascer, tantos filmes, livros pra ler... Mas não há tempo. Não falo das horas, dos minutos e de toda essa metodologia pragmática e racional a que o tempo foi submetido. Falo do tempo. O tempo não é medido. É sentido. As horas, percebemos no azedume de uma segunda-feira bege. Os meses, posso medir pela caixa do correio, que acusa mais uma conta a ser paga. Mas o tempo? O tempo eu só percebo quando falta. E ele não falta na correria cotidiana. Ele falta quando percebo as linhas que contornam meus olhos, cada vez mais profundas, mostrando um rosto diferente no espelho numa manhã sonolenta qualquer; ele falta quando vejo que meus sobrinhos já têm preocupações parecidas com as minhas. O tempo falta quando eu me deparo com cartas e bilhetes antigos de uma gente que já foi a mais importante do mundo; falta quando encontro dificuldade em me reconhecer em fotos da infância, ou quando descubro manuscritos meus onde eram colocadas bolinhas, ao invés de pingos nos “i’s”. Foi por isso que senti medo. Porque num ato suicida, eu esqueço que o tempo está aqui, com suas mãos pousadas no meu ombro, e ainda assim só consigo vê-lo no que já fui, e no medo que tenho de não conseguir ser tudo que quero. Medo porque, burramente, enxerguei o tempo como quem enxerga as horas, com certo desdém. Esperei o tempo chegar e agora só o vejo ir. É como se houvesse uma tarja preta e o trecho reservado para a vivência do tempo agora, não existisse. Assim, fico sem saber se viver o tempo não será justamente esse seu esquecimento. Se ele passa, como passa uma pipa perdida, carregando a vida da gente da melhor forma, sem exigir grandes reflexões; ou se é a gente que tem que puxar o fio e levar o tempo pra onde achar melhor, tentando fazer caber nessa fôrma tudo que a gente quer ser, ver, viver. Confesso que eu sempre quis levar o tempo, mas não consegui muito mais do que deixar que ele me levasse... Apressado, como ele só sabe ser. 

domingo, 10 de março de 2013

Pro dia nascer feliz?


Eu sentei na beira-mar e fixei meus olhos cansados no horizonte. Eu sabia que ele estava ali. Eu sabia que ele viria. Já dava para ver a ponta das nuvens mais luminosas, premeditando o evento. Eu queria tanto... Já fazia tanto tempo que aquilo não me acontecia. E era tão bom... No fundo, penso que ele também me queria ali. São poucas as pessoas que o vêem daquele jeito. Eu queria vê-lo tal qual ele quisesse ser visto. Eu o aceitaria como se mostrasse. E só aquele ato de confiança, o ato de enxergar, sem medo, mesmo que ele pudesse ofuscar, mesmo que não correspondesse às expectativas, só aquele ato, já era impregnado de um afeto que me lembro poucas vezes de ter sentido. Mas os minutos foram cruéis e longos e muitos. E, em cascata, trouxeram uma apatia que tomou o lugar do ânimo. O sono me acometeu. Eu não entendi o porquê da sua demora, ainda que pudesse imaginar os motivos da ausência de explicações. Eu o queria muito, mas meu corpo exausto, que já vive em guerras com a minha mente, mandou-me ir. E eu fui. O caminho me distraiu, reparei nas pedras, nas plantas, no calçamento. Também eram belos e cumpriram seu papel. Deve ter sido a mesma distração que ele teve com as nuvens, com o outro lado do hemisfério ou qualquer outro motivo que construiu o atraso. Nos demos as costas. Quando cheguei em casa, finalmente pude enxergá-lo enfiando seus feixes de luz pela janela. Já não adiantava mais. Estávamos em direções opostas agora... Eu talvez fique sempre na esperança de vê-lo chegar. E ele talvez fique sempre na esperança de me ver na beira-mar, esperando. Poderia mesmo ter sido um encontro interessante. Mas não foi. Se ainda fizer sentido, qualquer dia desses, quem sabe.