domingo, 2 de setembro de 2012

Sobre o que não se diz.


               Certas coisas são inconfessáveis. Coisas que você acredita, mas a maioria das pessoas não; coisas que você jura que não sente mais, mas sente; coisas que, se expostas, revelariam uma face hostil, mesquinha e extremamente fraca que fingimos não existir em nós mesmos. Algumas coisas são definitivamente inconfessáveis...  Mas nada que seja mal resolvido ou manifeste alguma inquietude. São só dores que não deveriam mais doer, e que não podem ser compreendidas isoladamente porque, na verdade, já não são mais dores; são problemas que já deveriam estar sanados; são felicidades que já deveriam ter acalmado, amores que já deveriam estar em paz. São coisas que perderam os argumentos, o prazo de validade, o sentido, a voz. Coisas para as quais já não se deve mais despender tempo, nem energia, pois são apenas presenças inconseqüentes de um nada que insiste em existir. Coisas que devem ficar em silêncio, como se fossem uma condição permanente do nosso corpo ou da nossa alma, indissociáveis. Adquiridas ou inatas, não importa... Coisas que são e só. A certeza impressa nelas talvez seja seu principal trunfo. Elas se fazem lembrar vez ou outra, mas não incentivam nenhuma mudança, pois sua inércia contagia cada centímetro da nossa existência.  São essas coisas que fazem perder o olhar quando escapam desse cotidiano que não tem tempo pra elas, que surgem pouco antes do sono, mas se dissolvem no torpor que logo nos acomete. São aparições velozes e efêmeras e merecem uma atenção compatível; são aquelas coisas que qualquer toque de telefone faz voar, mas que sempre estão por perto, com seus fiapos presos nas garras que insistimos em afiar, num movimento inconsciente e suicida da nossa memória – esta traidora sempre perdoada. Essas coisas inconfessáveis são ambivalentes e tão nossas, que, ainda que não ocupem grandes espaços, nos faltaria um pedaço caso não fossem mais. Deixemos sê-las, somos assim também.