Certas coisas são inconfessáveis. Coisas que você acredita, mas a
maioria das pessoas não; coisas que você jura que não sente mais, mas sente;
coisas que, se expostas, revelariam uma face hostil, mesquinha e extremamente
fraca que fingimos não existir em nós mesmos. Algumas coisas são
definitivamente inconfessáveis... Mas nada que seja mal resolvido ou
manifeste alguma inquietude. São só dores que não deveriam mais doer, e que não
podem ser compreendidas isoladamente porque, na verdade, já não são mais dores; são
problemas que já deveriam estar sanados; são felicidades que já deveriam ter
acalmado, amores que já deveriam estar em paz. São coisas que perderam os argumentos,
o prazo de validade, o sentido, a voz. Coisas para as quais já não se deve mais
despender tempo, nem energia, pois são apenas presenças inconseqüentes de um
nada que insiste em
existir. Coisas que devem ficar em silêncio, como se fossem
uma condição permanente do nosso corpo ou da nossa alma, indissociáveis. Adquiridas ou inatas, não importa... Coisas que são e só. A certeza impressa nelas talvez seja seu principal trunfo. Elas se fazem lembrar
vez ou outra, mas não incentivam nenhuma mudança, pois sua inércia contagia
cada centímetro da nossa existência. São essas coisas que fazem perder o olhar quando escapam desse
cotidiano que não tem tempo pra elas, que surgem pouco antes do sono, mas se
dissolvem no torpor que logo nos acomete. São aparições velozes e efêmeras e
merecem uma atenção compatível; são aquelas coisas que qualquer toque de
telefone faz voar, mas que sempre estão por perto, com seus fiapos presos nas
garras que insistimos em afiar, num movimento inconsciente e suicida da nossa
memória – esta traidora sempre perdoada. Essas coisas inconfessáveis são
ambivalentes e tão nossas, que, ainda que não ocupem grandes espaços, nos
faltaria um pedaço caso não fossem mais. Deixemos sê-las, somos assim também.