Eu gosto de gente. Gosto daquelas
que eu conheço há anos, embora sempre haja o que descobrir, e gosto,
sobretudo, daquelas que são apresentadas a mim pelo acaso. Aquelas que encontrei por um descuido do
destino, que poderia me colocar em qualquer lugar do mundo, mas me colocou ali,
junto de criaturas que, por motivos diferentes, estavam no mesmo espaço e
tempo que eu. Eu sei que todo mundo começa a se relacionar assim. Nenhum primeiro encontro
deveria ser premeditado. São as veias de energia que pulsam no mundo que, como num
movimento peristáltico, vão empurrando as pessoas para seus encontros. E o
encontro não é só estar ali. Conheço gente que sempre esteve “ali” e nunca se
encontrou de fato. Encontro é afetamento. É quando você repara que há mais alguém
no mundo que merece atenção; quando a presença desse alguém é diferente da
presença das árvores ou da mesa do bar; ou, é aquela inquietação com a pessoa que divide a mesma fila do caixa do supermercado, mas que por uma piada sem graça do mundo, você nunca vai nem falar com ela; encontro é quando você sente. O que me comove
mesmo é isso: o bendito do encontro primeiro. Aquele em que há um desconserto,
uma primeira chance. Aquele onde, na maioria das vezes, as nossas defesas estão sempre de prontidão e, contraditoriamente, protegendo o outro de nós mesmos. Mas até essa breve premeditação e comedimento, nos faz mais puros, porque isso é medo - emoção primária, instintiva. Dá medo porque gente é coisa séria. Julga
cada centímetro de palavra, ou da falta dela. Gente faz diagnóstico por imagem, aproveita que o outro está ali, limpo, como um grande caderno de desenhos para colorir, e preenche com imaginação e aquarela própria ele inteirinho. Em alguns
segundos, podemos ter quem quisermos à nossa frente. Podemos invejar a vida que levam porque essas pessoas ainda não são frágeis como nós. Não têm o peso da bagagem que a gente tem por se
conhecer uma vida inteira. Elas são só os sorrisos educados, que a gente
entende por felizes. Não sabemos das suas estórias; não sabemos se seus corações
estão partidos, se têm boa relação com os pais, se têm medo de altura, de
escuro; não sabemos o que elas enfrentam no trabalho, se choram assistindo
filme, se elas se sentem sozinhas quando a luz apaga... Até que, a cada novo
trejeito, frase, erro, gentileza, as pessoas vão enfim, tendo vida própria no
encontro, na gente. Enchem-se de si mesmas, deixando de ser nossas meras projeções. Vão sendo
um pouco de nós e nos deixam sê-las também. Logo elas vão se instalando num
outro patamar, igualmente belo, que é a sua absorção na nossa vida e inevitavelmente sua partida, mas isso já
é outra história.