segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Moonwalk

                      Ele dançou moonwalk ao som do John Mayer; mas nunca precisou disso pra chamar minha atenção. Tinha o cabelo amarrado, numa modernidade que contrastava com o jeans puído de quem acabou de sair do ensino médio. Não deveria ter muita idade. Por informação prévia, eu sabia que aquela pequena que o acompanhava no retrocesso dos passos de dança, já recebeu dele alguma coisa que não sei bem o quê era, mas que eu queria pra mim. Os meus olhares furtivos invejavam a fluidez pueril dos dois. Ela era desprendida, como eu desaprendi a ser; possuía o peso do que não lhe foi lapidado, o que a deixava ainda mais leve; e era de um erotismo serelepe, compactado na pouquíssima altura. 
                     Ele era lindo. Não por simetria dos traços, mas porque suava uma bondade intrínseca e uma melancolia escondida, e soava uma risada frouxa, embora contida. A luz verde do bar fracassou ao tentar me confundir e salvar, mas não era necessário. Eu sabia que não caberia naquele cenário, senão na plateia. Aquele viço de quem pouco se preocupa, me deixou anos antes, enquanto eu ia perdendo coisas e pessoas. Eu já havia desistido daquela liberdade sem vergonha. Entrei, resignada, numa forma que, para caber nela, foi preciso cortar pedaços importantes que transbordavam de mim, e cujas ausências ainda se fazem presentes. Aqueles dois, na sua dança, embarraram nas minhas cicatrizes e elas voltaram a latejar. Eu queria voltar a prestar atenção no colega barbudo com quem falava sobre a dificuldade do mercado de trabalho, mas precisava permitir que o rapaz com rabo-de-cavalo que me roubou intenções lascivas, me lembrasse em silencio sobre essa forma em que não caibo mais.

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Finalmente.

             Agradeço as vezes em que te fui fiel, embora me causasse uma aguda pequenez orgulhosa, estes tantos momentos em que te presenteei com meus pensamentos. Não me liberto da tua saudade, mas não vejo nela mais do que um peso leve e agridoce de se levar. Resignei-me. Por obrigação, obviamente, e não sem a dor de recusar teu afeto, reconhecendo o cansaço que me causas. Sempre farás das minhas linhas, tuas. Somente em troca do sentir mais incondicional que meu coração já concebeu. Sempre perceberei nos teus rompantes insanos, um pedido de ajuda que eu nunca consegui negar, mesmo quando neguei. O teu segredo me mantém alerta e me manda sinais ásperos de que tu me precisas, ainda que não me queiras. Por essa ligação sutil e profunda, pelo teu gostar fluído, por esse nosso limbo sublime, pela nossa ausência velada, me retiro com dignidade – ainda. Vou-me para que tu entendas todo meu amor. Finalmente.