Ele dançou moonwalk ao som do John Mayer; mas nunca
precisou disso pra chamar minha atenção. Tinha o cabelo amarrado, numa
modernidade que contrastava com o jeans puído de quem acabou de sair do ensino médio.
Não deveria ter muita idade. Por informação prévia, eu sabia que aquela pequena
que o acompanhava no retrocesso dos passos de dança, já recebeu dele alguma
coisa que não sei bem o quê era, mas que eu queria pra mim. Os meus olhares
furtivos invejavam a fluidez pueril dos dois. Ela era desprendida, como eu
desaprendi a ser; possuía o peso do que não lhe foi lapidado, o que a deixava
ainda mais leve; e era de um erotismo serelepe, compactado na pouquíssima altura.
Ele era lindo. Não por simetria dos traços, mas porque suava uma bondade intrínseca
e uma melancolia escondida, e soava uma risada frouxa, embora contida. A luz
verde do bar fracassou ao tentar me confundir e salvar, mas não era necessário.
Eu sabia que não caberia naquele cenário, senão na plateia. Aquele viço de quem
pouco se preocupa, me deixou anos antes, enquanto eu ia perdendo coisas e
pessoas. Eu já havia desistido daquela liberdade sem vergonha. Entrei, resignada,
numa forma que, para caber nela, foi preciso cortar pedaços importantes que
transbordavam de mim, e cujas ausências ainda se fazem presentes. Aqueles dois,
na sua dança, embarraram nas minhas cicatrizes e elas voltaram a latejar. Eu
queria voltar a prestar atenção no colega barbudo com quem falava sobre a dificuldade
do mercado de trabalho, mas precisava permitir que o rapaz com rabo-de-cavalo
que me roubou intenções lascivas, me lembrasse em silencio sobre essa forma em
que não caibo mais.