segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Moonwalk

                      Ele dançou moonwalk ao som do John Mayer; mas nunca precisou disso pra chamar minha atenção. Tinha o cabelo amarrado, numa modernidade que contrastava com o jeans puído de quem acabou de sair do ensino médio. Não deveria ter muita idade. Por informação prévia, eu sabia que aquela pequena que o acompanhava no retrocesso dos passos de dança, já recebeu dele alguma coisa que não sei bem o quê era, mas que eu queria pra mim. Os meus olhares furtivos invejavam a fluidez pueril dos dois. Ela era desprendida, como eu desaprendi a ser; possuía o peso do que não lhe foi lapidado, o que a deixava ainda mais leve; e era de um erotismo serelepe, compactado na pouquíssima altura. 
                     Ele era lindo. Não por simetria dos traços, mas porque suava uma bondade intrínseca e uma melancolia escondida, e soava uma risada frouxa, embora contida. A luz verde do bar fracassou ao tentar me confundir e salvar, mas não era necessário. Eu sabia que não caberia naquele cenário, senão na plateia. Aquele viço de quem pouco se preocupa, me deixou anos antes, enquanto eu ia perdendo coisas e pessoas. Eu já havia desistido daquela liberdade sem vergonha. Entrei, resignada, numa forma que, para caber nela, foi preciso cortar pedaços importantes que transbordavam de mim, e cujas ausências ainda se fazem presentes. Aqueles dois, na sua dança, embarraram nas minhas cicatrizes e elas voltaram a latejar. Eu queria voltar a prestar atenção no colega barbudo com quem falava sobre a dificuldade do mercado de trabalho, mas precisava permitir que o rapaz com rabo-de-cavalo que me roubou intenções lascivas, me lembrasse em silencio sobre essa forma em que não caibo mais.