segunda-feira, 29 de abril de 2013

Doente dos olhos.


Entendo que estive errada. É que sou desajeitada mesmo, desculpe-me. Minhas falas, e muitas vezes meus silêncios, são irrefletidos; pouco eles têm a ver com sabedoria. Vezes dão certo, muitas outras não. Minha bagagem me ajuda quase nada; na verdade, me confunde ainda mais. As palavras e ações me absorvem muito mais do que eu à elas.
 Já fui mais espantada. Já me surpreendi mais e confesso que essa atitude me causava uma felicidade mais contempladora, como se eu fosse desempacotando o mundo aos poucos, para protelar essa sensação agridoce que é saber um pouco mais. Hoje sou menos afetada, menos curiosa. Mas ainda é latente em mim alguns lampejos de alegria quando descubro algo novo, ainda que não seja bom. Porque saber é uma sensação ambivalente. É uma escolha atrevida, que tira a calma. Sorte minha é que ainda sei pouco. Quanto mais leio, ouço, vivo... Menos sei. Viver cada vez mais e saber cada vez menos pode ser bem assustador. Os anos ajudam no corriqueiro, no trivial, no trato com as pessoas previsíveis e pobres de alma, é a isso que damos o nome de experiência: Quando as coisas deixam de ser novidade apenas pelas estatísticas. Mas, pra quem se dispõe a pensar sobre o mundo, há sempre uma surpresa, um apavoramento. Muitas vezes desejei me colocar junto aos tantos que vejo, que apenas fazem o que precisa ser feito e enxergam as coisas tal qual elas se apresentam. Eu não; eu quero enxergar o que não se mostra e por isso penso, penso...  Não me admira que de tanto pensar, eu esqueça de sentir. Pessoa já havia dito: “pensar é estar doente dos olhos”. Por isso estou aqui, com esses olhos enfermos, que querem enxergar beleza em tudo, mas boicota o belo com o pensamento. Não há nada que deixe as coisas mais insossas do que a racionalidade. Só as crianças é que são felizes.

domingo, 28 de abril de 2013

Gente.


Às vezes não sobra muito mesmo. Mas, no fundo, sempre tem alguma coisa. Sempre tem um fiapo, um cheiro impregnado na ponta dos dedos, quando se abraça o pescoço. Sempre sobra aquele olhar que sobreviveu aos três segundos, e pode fazer com que aquele rosto seja um dia reconhecido. Sobra um sorriso meio sem querer, um “desculpa” depois do esbarrão... Sobra um toque descuidado e despercebido, não tem jeito... Sempre sobra um restinho de gente na gente. Restinhos que vão se acomodando, como tijolos na nossa construção. Aumentando o espaço, o gosto de gente, o gosto por gente. Gente de todo jeito, que vem e logo vai, que foi sem nunca ter vindo; gente que te enrola e você fica querendo; gente que te adora e você vai perdendo; gente que dura um segundo e vale muito; gente que dura uma vida inteira e custa caro; gente que nem sabe o tamanho que ocupa em você; gente que nunca vai saber... Gente que você já esqueceu; gente que você perdeu; gente que te queria perto e você nem percebeu; tem gente que vai e te leva; tem gente que você carrega e pesa; tem gente que some e você agradece; gente pra quem você faria uma prece... Gente que te faz, e gente que te desfaz; gente que nunca mais vai fazer; mas fez.

Gonzaguinha já disse o que eu queria dizer, em melhores palavras e final: “[...] aprendi que se depende sempre de tanta, muita, diferente gente; toda pessoa sempre é as marcas das lições diárias de outras tantas pessoas, e é tão bonito quando a gente entende que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá; e é tão bonito quando a gente sente que nunca está sozinho por mais que pense estar [...]”.