segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

No novo não.

                              Queria ter te enviado uma mensagem de final de ano. Um sms qualquer, discreto, como de costume, mas com aquele luminoso que denuncia a tua importância pra mim. Queria ter te desejado um natal bom, um ano novo massa. Queria ter pensado minuciosamente nas palavras, as interpretado das mil formas que eu imagino que você interpretaria, pra fracassar de maneira digna. Mas eu não enviei. A operadora do celular não foi o problema. Eu só não enviei mesmo. Não enviei porque você não sabe ser gostado. Você fica pequeno e acha que te querer bem é um problema meu. Você devolve minhas palavrinhas e carinhos todos naquele saco de indiferença que costurou com a minha sinceridade. Burrinha ela, a minha sinceridade. Você usou aquele espanador com penas de mim e foi varrendo minha vontade pra debaixo daquele tapete vermelho que eu jogo quando você passa. Eu agora cerro os lábios, ainda perco para os olhos, mas a boca eu fecho. Engulo meu afeto em formato de ouriço-do-mar e te deixo ir... Você sempre quer ir.
                             Eu nunca te abri a porta, mas enfeitei ela toda com as estrelinhas que saíam do meu olhar quando você dizia aquelas coisas bonitas pra mim, pra que você ficasse mais a vontade pra entrar, puxar uma cadeira, esbarrar no meu colo e fazer dele um bom lugar. Acontece que eu já guardei as xícaras e não compro mais o pão que você adora. Não teço mais uma colcha de pontos de interrogação para que você me cubra todas as noites. Aposentei as canetinhas coloridas com as quais eu descrevia esse meu trabalho voluntário, que é gostar de você. É a coisa mais altruísta que já fiz na vida: gostar de você. Mas se me perguntar, eu minto. Minto até virar verdade. Porque meu gosto ainda está agarrado na lembrança, e se posso lembrar, também posso esquecer. Na verdade, hoje eu não te gosto. Te gosto ontem. Quem eu sou hoje não gosta de você, porque você hoje parece não gostar de ser gostado. Você desaprendeu a construir e só fica na sombra, enquanto eu estou com o lombo no sol. Minha pele tá ressequida, precisando de água limpa, saliva nova, novidade. Mas aqui ainda sou eu de ontem e você de ontem e nós de ontem. Talvez por isso eu não tenha te mandado uma mensagem de ano novo... É no tempo passado que melhor te conjugo. No que é novo você não cabe.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Instante Grande.

                   

Ele disse que não queria mais viver. Alguns processos de hospitalização e luto são bastante clássicos, mas eu não estou aqui para falar de psicologia. Eu quero falar é do que eu senti; E senti que diante da face da morte, nada, absolutamente nada, é tão importante. Bem óbvio, entendo, mas me deixe contar: Um senhor caiu da carroça com que trabalhava. Fraturou a coluna, ficou tetraplégico. Machucou a perna e, devido à diabetes, precisou amputá-la. Há alguns dias ele estava trabalhando, firme. Agora estava diante de mim, emagrecido, astênico, apático. Ele era de uma simplicidade cativante e de uma tristeza comovente. Durante seu discurso contido, uma frase sobressaiu às outras e, confesso, num ato egoísta, demorei para voltar a entender o que ele continuava dizendo, tamanho meu choque. Ele disse, num sopro que saía do vão que existia entre alguns dentes, e com a imponência de quem não tem mais nada a perder: “A vida é coisa tão bonita, né?”. Eu calei. Ofereci-lhe o silêncio merecido depois do impacto de uma constatação tão simples. E, mesmo embebida em toda aquela atmosfera do sofrimento dele, a parte triste da história vem agora... Eu me senti do tamanho de uma ameba. Corei. Fui para casa agradecendo o soco no estômago e, enquanto refletia sobre as “coisas da vida” e suas fragilidades, pensei que havia dado um passo adiante na tentativa de ser alguém mais espiritualizada e menos materialista. Aconteceu que alguns dias passaram, meus pobres probleminhas continuavam lá, e foram turvando a frase “a vida é coisa tão bonita, né?” da minha memória. Há um efeito sanfona na alma. Num ato inconsciente, voltei a ser pequena. Esbravejei por causa da antena da TV, lamentei alguns quilinhos à mais, reclamei das contas à pagar e praguejei a semana longa e cheia de trabalho. Aquele senhor me daria com as muletas nas fuças se pudesse me ver agora. Torço para encontrar novos mentores como ele, até que eu aprenda algo enfim. Ele sabia que cada um de nós é capaz de dar pesos diferentes aos mesmos fardos e que a dimensão das nossas alegrias e tristezas não devem, necessariamente, ser calculadas com nenhuma base externa... Mas, ainda assim, tê-lo visto naquele momento de lucidez tamanha (ainda que envolto em dores da carne e da alma), dissolveu, pelo menos por um instante, a minha miopia diante da vida. E que grande instante foi aquele, senhores, que imenso instante.