quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Instante Grande.

                   

Ele disse que não queria mais viver. Alguns processos de hospitalização e luto são bastante clássicos, mas eu não estou aqui para falar de psicologia. Eu quero falar é do que eu senti; E senti que diante da face da morte, nada, absolutamente nada, é tão importante. Bem óbvio, entendo, mas me deixe contar: Um senhor caiu da carroça com que trabalhava. Fraturou a coluna, ficou tetraplégico. Machucou a perna e, devido à diabetes, precisou amputá-la. Há alguns dias ele estava trabalhando, firme. Agora estava diante de mim, emagrecido, astênico, apático. Ele era de uma simplicidade cativante e de uma tristeza comovente. Durante seu discurso contido, uma frase sobressaiu às outras e, confesso, num ato egoísta, demorei para voltar a entender o que ele continuava dizendo, tamanho meu choque. Ele disse, num sopro que saía do vão que existia entre alguns dentes, e com a imponência de quem não tem mais nada a perder: “A vida é coisa tão bonita, né?”. Eu calei. Ofereci-lhe o silêncio merecido depois do impacto de uma constatação tão simples. E, mesmo embebida em toda aquela atmosfera do sofrimento dele, a parte triste da história vem agora... Eu me senti do tamanho de uma ameba. Corei. Fui para casa agradecendo o soco no estômago e, enquanto refletia sobre as “coisas da vida” e suas fragilidades, pensei que havia dado um passo adiante na tentativa de ser alguém mais espiritualizada e menos materialista. Aconteceu que alguns dias passaram, meus pobres probleminhas continuavam lá, e foram turvando a frase “a vida é coisa tão bonita, né?” da minha memória. Há um efeito sanfona na alma. Num ato inconsciente, voltei a ser pequena. Esbravejei por causa da antena da TV, lamentei alguns quilinhos à mais, reclamei das contas à pagar e praguejei a semana longa e cheia de trabalho. Aquele senhor me daria com as muletas nas fuças se pudesse me ver agora. Torço para encontrar novos mentores como ele, até que eu aprenda algo enfim. Ele sabia que cada um de nós é capaz de dar pesos diferentes aos mesmos fardos e que a dimensão das nossas alegrias e tristezas não devem, necessariamente, ser calculadas com nenhuma base externa... Mas, ainda assim, tê-lo visto naquele momento de lucidez tamanha (ainda que envolto em dores da carne e da alma), dissolveu, pelo menos por um instante, a minha miopia diante da vida. E que grande instante foi aquele, senhores, que imenso instante.

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