domingo, 18 de dezembro de 2016
Merthiolate
Passei alguns dias sentindo dor. Física. Cólicas. Não as cólicas habituais. Meu limiar da dor é alto, mas desta vez, tive a impressão de que meu útero se contraia para parir um filho que não existia. Bem por isso, parecia não ter fim - não haveria nascimento, a dor não teria recesso. Eu caminhava contraída e segurava qualquer chance de cruzar as pernas ou ficar em posição fetal. Só queria que parasse de doer. Alguns remédios vãos e chás de mãe me serviam de placebo por alguns instantes. Doía. A dor, tal qual a alegria genuína, te desarma; te faz encontrar novamente a primitividade. A dor é um retrocesso numa escala de evolução em que todos vivem anestesiados. Quando se está com dor, não se faz sala. Foi ali, de bruços pelo terceiro dia consecutivo, que eu me dei conta disso. A dor entristece, fecha a cortina, como uma velha ranzinza, para qualquer sorriso que, teimoso, dê o ar da graça entre um esquecimento e outro. A dor é rival. Era o meu corpo, contra mim. Como se quisesse vingar todas as vezes em que lhe fui infiel. Não duraria para sempre, eu sabia desde que começou; mas eu esqueci disso enquanto ela pulsava e me oferecia uma calma estéril. São seis meses desde que estes dias aconteceram. Não sinto mais daquela forma. Dedico essas palavras a você, que dói agora. Vim aqui lembrá-lo que ela não durará para sempre. Que, por mais que não pareça, você será capaz de suportar. Não há necessidade de diplomacia. Suporte como achar melhor: com histeria ou silêncio. Logo vai acabar.
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