sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Mais dez sessões.

O plano de saúde liberou dez sessões de psicoterapia. Sexta-feira foi dia de Reik, ela precisava reorganizar as energias. Os amigos chamaram pra sair. Fez sol. Dois novos contatos: divertidos, bonitos na medida, inteligentes. Ela deu risada e se distraiu. Seriado novo, roupa nova, um quilo a menos na balança, passaporte pronto... mas aí aquele cara passou por ela, na ida pro trabalho, e ele usava um perfume igual ao teu. Segunda-feira ela vai tentar mais dez sessões.

quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Depois daquele dia


Desde então, eu não me culpo mais por acordar cedo aos domingos;
Desde então, não preciso mais ansiar por uma semana, um convite bobo pra te fazer, por medo do teu não;
Desde então, eu lamento não ter que chamado pra ir na igreja aquele dia à noite, em que rezei por ti sozinha;
Desde então, eu entendo mais sobre o que eu gosto, e sobre o que eu me acostumo (crescemos juntos, afinal);
Desde então, eu sinto falta de maldizer teu fogão vagaroso;
Desde então, parei de me culpar por ter muitos amigos;
Desde então, eu quero te dizer que consertei o carro (e não foi tão barato quanto você disse que seria);
Desde então, eu lembro de você e meu coração sente diferente - não é saudade, é paz (bom pra gente, né?);
Desde então eu tenho mais certeza de que é preciso falar sobre o que se sente (você deveria tentar);
Desde então, eu me pergunto se você tá vendo o sol que eu vejo (e você adora, eu sei);
Desde então, eu ensaio formas menos egoístas de ver teu sorriso;
Desde então, torço para que me esqueça devagar;
Desde então, ficou mais fácil responder às pessoas se eu vou sozinha ou se você também vai (que cansaço me causava, acredita?);
Desde então não faço poema, porque não dói. Isso não é poema. É um emaranhado limitado (como eu me sentia ser); é uma cartinha ao pós amor que nunca fui. Mas desde então eu quero te escrever; 
Desde então, escolhi não competir. No jogo dos sentimentos, quem começa já perdeu;
Desde então, fiquei aliviada em sair da superfície do meu sentir, ainda que isso tenha te assustado;
Desde então eu tô pra te agradecer. A verdade é que você sabia antes de mim, que eu fico melhor assim, depois de você.

segunda-feira, 15 de maio de 2017

Arranhão

Outro dia arranhei meu pé esquerdo no carro da minha amiga. Ensaiei um pseudodrama encapado de palavrões que não vou reproduzir e finalizei: - "Merda, vai sangrar!" - "Não vai, não. Só vai ficar branquinho, não chega a sangrar. O que é pior." Ela disse, com razão. Algumas coisas precisam rasgar de vez, depurar. Você é meu arranhão branquinho.

segunda-feira, 8 de maio de 2017

Tua voz.

          Se resignação tivesse timbre, ela seria a tua voz. Começou comum, como quem anuncia às três da tarde num trabalho que vai até às seis. Depois foi ficando densa, apesar de aguda. Tu pensava enquanto dizia e, portanto, precisou calar. Tu me contou uma história que não queria contar e que eu não queria ouvir. Sei daquele dia que te doeu tanto que foi como se o próprio diabo te pedisse um canto na cama, e ficasse arranhando as tuas costelas frias.  
         Não tive coragem de apresentar meu otimismo, ele seria uma afronta, um deboche. Então eu fiquei com essa minha cara de tonta, admirando a tua coragem, engolindo tua tristeza pra tu sentir menos. Mulher, que escolhas são estas que tu faz com tanta dignidade que te custam alegria? Que agiota esse caminho. 
         O sol tava lá naquela praça, pintando a tua pele, eu sei. Teu sangue foi diluído, e teve aquela gargalhada que expôs toda tua arcada dentária. Os dias não passarão por ti, tu vais beber deles... eu sei, eu sei. A vida é uma obrigatoriedade. Mas, da tua voz... da tua voz eu não esqueço não.