Desenhei com a ponta dos dedos o contorno do teu nariz e reparei nos pelos desorganizados (por mim) da tua sobrancelha.
Deitei meu verde no teu marrom escuro, e acho que você percebeu que a menina dos meus olhos nunca foi boa em esperar... A não ser ali, no conforto morno da tua clavícula, que se expandia aos poucos, embalando o quanto eu precisava descansar;
Desci um pouco mais minhas digitais, e no volume da tua boca ensaiei a última versão desse quadro que fiz no teu corpo, numa tinta de saliva, pra eu me emoldurar.
Você vai ficar bonito na parede do meu tempo. Escolhi um espaço onde não precisasse haver amanhã, e consegui, enfim, te eternizar.
O Depósito de Nadas
quarta-feira, 4 de setembro de 2019
terça-feira, 25 de junho de 2019
Pores do sol
Ele me chama de moça dos pores do sol. E quem não gosta de ser associado ao Sol? Logo eu, leonina que sou. Eu coloquei um girassol no lugar do teu cinzeiro e escondi os cigarros que você insistia em usar pra se machucar. Imagino que você já tenha encontrado todos eles, e se machucado outras tantas depois disso. Da última vez que vi teu espaço cinza, o girassol tinha morrido. Eu sei que você tentou... Mas talvez as coisas morram mesmo quando se aproximam de ti. Aconteceu comigo...Entendo o girassol. Deve ser essa nuvem tempestuosa que tu coloca em cima da tua cabeça sempre, que afoga toda vida em redor, do mesmo jeito que tu te afoga, todos os dias, beijando as garrafas e bordas de copos nos bares da nossa cidade. Sim, eu sei, já disse, eu sei que você tentou... Não precisa se desculpar. Agora eu to ouvindo ele me chamar de moça dos pores do sol e percebo que você tinha razão... É mais bonito ouvir alguém dizer isso de graça. Se você tivesse dito, eu saberia que não era você... Porque você não é solar. Você é tempestade que faz barulho e desabriga, é chuva fina e molhada, que entristece e deixa com frio. Eu e o girassol sabemos disso. Desculpa ter saído sem avisar, mas você sabe que eu não sei nadar. Há mais sol aonde eu estou agora. Eu me sinto mais quente aqui. Preciso ficar neste lugar. Não consigo te ver desta distância, mas prometo torcer pro teu verão chegar.
domingo, 4 de fevereiro de 2018
Três meses
Vai fazer três meses que você disse que me amava. Eu queria que fizesse só um dia. Porque quando fazia só um dia eu ainda acreditava. Era bom acreditar porque é disso que a vida é feita: de créditos.
Esses três meses duraram muito tempo. Tanto que quase já não lembro do som da tua risada. São doze domingos em que eu poderia ter deixado minha cabeça apoiada entre a tua axila e teu peito. Três meses que eu deixei de impregnar tua camiseta puída com o cheiro do teu próprio sabonete, porque eu nunca usei perfume aí. A lua já mudou de lugar tantas vezes e a Terra já rodopiou por noventa longos dias. A primavera foi embora e outro verão já veio se exibir.
Mas só faz três meses, porque teu nome ainda é feito tinta fresca, que mancha todo meu texto. Faz tão pouco e eu já não tenho medo de você se ler por aqui - não temos mais tempo pra isso. Eu tinha tanto pra me repetir, tanto pra te dizer de novo, mas não quero mais perder o tempo contigo.
Logo farão quatro meses e tantos mais que devam vir. Eu vou fazer as pazes com as horas, não importa o que eu faça, o tempo só passa pra gente poder ir.
sexta-feira, 13 de outubro de 2017
Mais dez sessões.
O plano de saúde liberou dez sessões de psicoterapia. Sexta-feira foi dia de Reik, ela precisava reorganizar as energias. Os amigos chamaram pra sair. Fez sol. Dois novos contatos: divertidos, bonitos na medida, inteligentes. Ela deu risada e se distraiu. Seriado novo, roupa nova, um quilo a menos na balança, passaporte pronto... mas aí aquele cara passou por ela, na ida pro trabalho, e ele usava um perfume igual ao teu. Segunda-feira ela vai tentar mais dez sessões.
quinta-feira, 31 de agosto de 2017
Depois daquele dia
Desde então, eu não me culpo mais por acordar cedo aos domingos;
Desde então, não preciso mais ansiar por uma semana, um convite bobo pra te fazer, por medo do teu não;
Desde então, eu lamento não ter que chamado pra ir na igreja aquele dia à noite, em que rezei por ti sozinha;
Desde então, eu entendo mais sobre o que eu gosto, e sobre o que eu me acostumo (crescemos juntos, afinal);
Desde então, eu sinto falta de maldizer teu fogão vagaroso;
Desde então, parei de me culpar por ter muitos amigos;
Desde então, eu quero te dizer que consertei o carro (e não foi tão barato quanto você disse que seria);
Desde então, eu lembro de você e meu coração sente diferente - não é saudade, é paz (bom pra gente, né?);
Desde então eu tenho mais certeza de que é preciso falar sobre o que se sente (você deveria tentar);
Desde então, eu me pergunto se você tá vendo o sol que eu vejo (e você adora, eu sei);
Desde então, eu ensaio formas menos egoístas de ver teu sorriso;
Desde então, torço para que me esqueça devagar;
Desde então, ficou mais fácil responder às pessoas se eu vou sozinha ou se você também vai (que cansaço me causava, acredita?);
Desde então não faço poema, porque não dói. Isso não é poema. É um emaranhado limitado (como eu me sentia ser); é uma cartinha ao pós amor que nunca fui. Mas desde então eu quero te escrever;
Desde então, escolhi não competir. No jogo dos sentimentos, quem começa já perdeu;
Desde então, fiquei aliviada em sair da superfície do meu sentir, ainda que isso tenha te assustado;
Desde então eu tô pra te agradecer. A verdade é que você sabia antes de mim, que eu fico melhor assim, depois de você.
segunda-feira, 15 de maio de 2017
Arranhão
Outro dia arranhei meu pé esquerdo no carro da minha amiga. Ensaiei um pseudodrama encapado de palavrões que não vou reproduzir e finalizei: - "Merda, vai sangrar!" - "Não vai, não. Só vai ficar branquinho, não chega a sangrar. O que é pior." Ela disse, com razão. Algumas coisas precisam rasgar de vez, depurar. Você é meu arranhão branquinho.
segunda-feira, 8 de maio de 2017
Tua voz.
Se resignação tivesse timbre, ela seria a tua voz. Começou comum, como quem anuncia às três da tarde num trabalho que vai até às seis. Depois foi ficando densa, apesar de aguda. Tu pensava enquanto dizia e, portanto, precisou calar. Tu me contou uma história que não queria contar e que eu não queria ouvir. Sei daquele dia que te doeu tanto que foi como se o próprio diabo te pedisse um canto na cama, e ficasse arranhando as tuas costelas frias.
Não tive coragem de apresentar meu otimismo, ele seria uma afronta, um deboche. Então eu fiquei com essa minha cara de tonta, admirando a tua coragem, engolindo tua tristeza pra tu sentir menos. Mulher, que escolhas são estas que tu faz com tanta dignidade que te custam alegria? Que agiota esse caminho.
O sol tava lá naquela praça, pintando a tua pele, eu sei. Teu sangue foi diluído, e teve aquela gargalhada que expôs toda tua arcada dentária. Os dias não passarão por ti, tu vais beber deles... eu sei, eu sei. A vida é uma obrigatoriedade. Mas, da tua voz... da tua voz eu não esqueço não.
Não tive coragem de apresentar meu otimismo, ele seria uma afronta, um deboche. Então eu fiquei com essa minha cara de tonta, admirando a tua coragem, engolindo tua tristeza pra tu sentir menos. Mulher, que escolhas são estas que tu faz com tanta dignidade que te custam alegria? Que agiota esse caminho.
O sol tava lá naquela praça, pintando a tua pele, eu sei. Teu sangue foi diluído, e teve aquela gargalhada que expôs toda tua arcada dentária. Os dias não passarão por ti, tu vais beber deles... eu sei, eu sei. A vida é uma obrigatoriedade. Mas, da tua voz... da tua voz eu não esqueço não.
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