segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

No novo não.

                              Queria ter te enviado uma mensagem de final de ano. Um sms qualquer, discreto, como de costume, mas com aquele luminoso que denuncia a tua importância pra mim. Queria ter te desejado um natal bom, um ano novo massa. Queria ter pensado minuciosamente nas palavras, as interpretado das mil formas que eu imagino que você interpretaria, pra fracassar de maneira digna. Mas eu não enviei. A operadora do celular não foi o problema. Eu só não enviei mesmo. Não enviei porque você não sabe ser gostado. Você fica pequeno e acha que te querer bem é um problema meu. Você devolve minhas palavrinhas e carinhos todos naquele saco de indiferença que costurou com a minha sinceridade. Burrinha ela, a minha sinceridade. Você usou aquele espanador com penas de mim e foi varrendo minha vontade pra debaixo daquele tapete vermelho que eu jogo quando você passa. Eu agora cerro os lábios, ainda perco para os olhos, mas a boca eu fecho. Engulo meu afeto em formato de ouriço-do-mar e te deixo ir... Você sempre quer ir.
                             Eu nunca te abri a porta, mas enfeitei ela toda com as estrelinhas que saíam do meu olhar quando você dizia aquelas coisas bonitas pra mim, pra que você ficasse mais a vontade pra entrar, puxar uma cadeira, esbarrar no meu colo e fazer dele um bom lugar. Acontece que eu já guardei as xícaras e não compro mais o pão que você adora. Não teço mais uma colcha de pontos de interrogação para que você me cubra todas as noites. Aposentei as canetinhas coloridas com as quais eu descrevia esse meu trabalho voluntário, que é gostar de você. É a coisa mais altruísta que já fiz na vida: gostar de você. Mas se me perguntar, eu minto. Minto até virar verdade. Porque meu gosto ainda está agarrado na lembrança, e se posso lembrar, também posso esquecer. Na verdade, hoje eu não te gosto. Te gosto ontem. Quem eu sou hoje não gosta de você, porque você hoje parece não gostar de ser gostado. Você desaprendeu a construir e só fica na sombra, enquanto eu estou com o lombo no sol. Minha pele tá ressequida, precisando de água limpa, saliva nova, novidade. Mas aqui ainda sou eu de ontem e você de ontem e nós de ontem. Talvez por isso eu não tenha te mandado uma mensagem de ano novo... É no tempo passado que melhor te conjugo. No que é novo você não cabe.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Instante Grande.

                   

Ele disse que não queria mais viver. Alguns processos de hospitalização e luto são bastante clássicos, mas eu não estou aqui para falar de psicologia. Eu quero falar é do que eu senti; E senti que diante da face da morte, nada, absolutamente nada, é tão importante. Bem óbvio, entendo, mas me deixe contar: Um senhor caiu da carroça com que trabalhava. Fraturou a coluna, ficou tetraplégico. Machucou a perna e, devido à diabetes, precisou amputá-la. Há alguns dias ele estava trabalhando, firme. Agora estava diante de mim, emagrecido, astênico, apático. Ele era de uma simplicidade cativante e de uma tristeza comovente. Durante seu discurso contido, uma frase sobressaiu às outras e, confesso, num ato egoísta, demorei para voltar a entender o que ele continuava dizendo, tamanho meu choque. Ele disse, num sopro que saía do vão que existia entre alguns dentes, e com a imponência de quem não tem mais nada a perder: “A vida é coisa tão bonita, né?”. Eu calei. Ofereci-lhe o silêncio merecido depois do impacto de uma constatação tão simples. E, mesmo embebida em toda aquela atmosfera do sofrimento dele, a parte triste da história vem agora... Eu me senti do tamanho de uma ameba. Corei. Fui para casa agradecendo o soco no estômago e, enquanto refletia sobre as “coisas da vida” e suas fragilidades, pensei que havia dado um passo adiante na tentativa de ser alguém mais espiritualizada e menos materialista. Aconteceu que alguns dias passaram, meus pobres probleminhas continuavam lá, e foram turvando a frase “a vida é coisa tão bonita, né?” da minha memória. Há um efeito sanfona na alma. Num ato inconsciente, voltei a ser pequena. Esbravejei por causa da antena da TV, lamentei alguns quilinhos à mais, reclamei das contas à pagar e praguejei a semana longa e cheia de trabalho. Aquele senhor me daria com as muletas nas fuças se pudesse me ver agora. Torço para encontrar novos mentores como ele, até que eu aprenda algo enfim. Ele sabia que cada um de nós é capaz de dar pesos diferentes aos mesmos fardos e que a dimensão das nossas alegrias e tristezas não devem, necessariamente, ser calculadas com nenhuma base externa... Mas, ainda assim, tê-lo visto naquele momento de lucidez tamanha (ainda que envolto em dores da carne e da alma), dissolveu, pelo menos por um instante, a minha miopia diante da vida. E que grande instante foi aquele, senhores, que imenso instante.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Sobre o que deixar.

             Ainda não me acho alguém de muitas experiências. Tenho meus tropeços, minhas lágrimas e meu gozo. Como todo mundo. Minha história não é mais especial do que a de qualquer cidadão que tenha vontade de perder um tempo lendo essas minhas linhas. Bem por isso, não me acho digna de tecer grandes conselhos e frases de efeito. Não tenho respostas, lamento. Invejo os grandes espíritos que sabem deixar seus ensinamentos de maneiras simples, mas com uma força capaz de tatuar, na cabeça ou no coração dos ouvintes, algo que sirva pra viver. Bem, pelas minhas contas talvez eu precise do dobro do tempo que tenho nesta vida pra conseguir dizer algo que realmente valha à pena e seja ressonante.  Mas, se eu não tiver esse tempo, nem filhos, nem netos para me ouvir, por ora, gostaria que lembrassem de mim como alguém que achava bonito ser honesto. Não falo do troco devolvido quando recebido a mais, nem de pagar as contas em dia... Isso é obrigação. Acho bonito gente que é honesta com o que sente, e com o que faz os outros sentirem. Gente que levanta a bandeira da empatia, e consegue se indignar com a falta dela; que cuida com respeito de um coração que lhe foi dado. Gente que, mesmo escondendo o que sente, entende que seu segredo é preciso tamanha responsabilidade. Gente que não joga no colo do outro uma culpa que ninguém tem, porque é honesto. É lindo ver um amigo sendo honesto; mesmo que ele se embasbaque, mesmo desajeitado; ele sabe que viver a verdade pode ser desconfortável às vezes, mas sabe também, sobretudo, que ela é um remédio necessário, um remédio que cura, limpa e emagrece. Eu queria mesmo que vocês fossem honestos, que não permitissem leviandade, mas que a perdoassem, se puderem. Eu vou continuar tentando, prometo. Os honestos pagam caro, mas entendem de custo/ beneficio. Se formos honestos, a gente só erra tentando acertar; se formos honestos, sempre haverá perdão... E enquanto houver perdão, estaremos livres. 

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Sorria, meu bem, sorria.


Essas linhas são sobre o teu sorriso... E eu lamento. Lamento porque sorriso é coisa boba, é coisa que todo mundo fala e admira. Queria manter meu mau hábito de enxergar beleza no que é estranho; eu queria admirar, por acaso, um antebraço teu - ou qualquer outra coisa que passasse despercebida feito um antebraço. Mas não, caí no limbo do senso comum e fui absorvida pelo teu sorriso. Eu não vim pra falar do quanto ele é lindo; ele até é. É lindo, mas eu nem sei se teus dentes são simétricos ou de um branco cor de luz de hospital. Se bem me lembro, teu lábio inferior tem até uma pelezinha que deixa ele um tiquinho torto, cobrindo com incompetência parte dos dentes... Mas não importa, não é a forma dele que me embasbaca. Fui pega pelo teu sorriso porque ele te faz outro. É um sorriso grávido, pois há outra pessoa nele. Eu te conheço muitos e gosto de quase todos. Quase. E é desse quase que teu sorriso dá conta, porque é um sorriso soda cáustica, que corrói tudo e deixa só o sorriso, o sorriso daquele você que eu gosto. Às vezes o assunto é sério e, de repente, você sorri e engole tudo e cospe arco-íris e eu já nem lembro mais. Você todo some, fica só o sorriso. Eu queria o antebraço, mas é o sorriso. Por uma coincidência marota e clichê é essa arma que tens talhada na cara que mais me exaspera. Tem aqueles vincos que se formam ao redor dos teus olhos, que eu também já reparei. Mas os encaro mais como setas que apontam um olhar que também sabe sorrir, do que a denúncia de um tempo que insiste em chegar. Tudo isso é figura fundo pra esse astro feito de pequenos ossos que chama atenção feito a fratura exposta que é; que expõe você da maneira romântica que só a música saberia fazer, que expõe você no espasmo de fé que parece esconder, mas que se revela na luz da tua saliva quando os lábios deixam os dentes molhados e nus. Quando você ri, eu encontro o que você perdeu. Devolvo quando puder.

domingo, 7 de julho de 2013

Diga.



        Eu ensaiei os textos todos: os ditos, subentendidos, enviados e guardados. Eu só queria dizer algo. Na verdade, queria que você soubesse sem que eu precisasse dizer. Queria que fosse óbvio pra você, como é pra mim. Mas acho que você não entendeu. Primeiro pensei que fosse questão de gênero, que meu sexo diria mais por mim. Sou mulher, mulherzinha às vezes, e você, um menino feito, deveria saber que isso implica num funcionamento padronizado, que diz muito. Mas não, tive que ir mais longe, tive que vir até aqui dizer o que não se diz, para que você me diga o que não sei se quero saber. Se você não disser, minha imaginação, tagarela, não vai nem levantar a mão, vai sair logo dando aquela opinião duvidosa ou com qualquer outro predicado que me afaste da verdade. Talvez você não tenha se dado conta pela minha timidez inicial - e também por esse escudo ao melhor estilo Capitão América que fica lindo em mim quando estamos juntos - mas eu gosto de você. O problema é que o universo me dá a sensação de que se eu dissesse que gosto de você, as palavras fariam uma curva que só Pitágoras explicaria e as moléculas de oxigênio transformariam minha frasezinha ínfima em “eu te amo pra sempre e quero casar contigo amanhã, minha vida, meu céu, meu tudo”. E não, cara. Não é isso. Eu gosto de você, como eu gosto de um monte de coisa nessa vida. Como já gostei de tantas outras que deixei de gostar... Não fica se achando, não some, não fica com medo, não usa isso contra mim, não viaja, não interpreta, não imagina. Eu só gosto de você. E achei justo te dizer isso num mundo onde trocar ofensas é tão mais comum. Se algum dia eu quiser te dizer mais, se eu quiser que você saiba mais, eu tiro o escudo do Capitão América, visto a roupa de Mulher Maravilha e digo. Morrendo de medo, mas digo. Por ora, é isso. É difícil pra mim. Logo eu, que grito silêncio aos quatro cantos e dobro nas palavras mil sentidos... Mas hoje não. Hoje to abrindo mão do meu apego às entrelinhas, ao não dito, e te peço encarecidamente que não leia nada além do que escrevo. Quando você ficar sabendo disso, chega junto e me diz o que você também precisa dizer. Eu não vou ficar me achando, não vou sumir, não vou ter medo, não vou usar isso contra você, não vou viajar, nem interpretar, nem imaginar nada... Desde que você me diga, e só. 


John Mayer também tem o mesmo conselho. Inspire-se: http://www.youtube.com/watch?v=nSS0wtjrm1U

quinta-feira, 13 de junho de 2013

?!

Eu sou uma pessoa de muitas dúvidas. Pergunto-me muito e sempre o porquê das coisas. Seria uma ótima filósofa se entendesse de filosofia. Mas não; eu só sei de duvidar. No entanto, não duvido de tudo; acredito, por exemplo, nas pessoas. Acredito nos seus erros, na sua capacidade intrínseca de dissimulação e na crueldade visceral; acredito também nas suas risadas homéricas e na sua benevolência... Acredito em gente, sim. De resto, eu finjo que acredito. É que é preciso parecer normal às vezes; e estar diluído, silencioso, sem perguntas, é ingrediente da saúde mental. Vez ou outra a vida me convence e acrescenta mais um item na lista de coisas que acredito. Devo confessar que ela não tem um método muito sutil de ensino e acaba não sendo clara. Mas eu entendo, eu quase sempre entendo o recado. Hoje, por exemplo, entendi que os momentos mais difíceis que me aconteceram, os caminhos mais duvidosos e tortos que percorri, foram aqueles em que as ausências de fé e gratidão estiveram presentes. Ter fé é absolutamente preciso. Eu que duvido tanto, tive que engolir que as ocasiões em que acreditei mais (em Deus, no cosmos, no mundo, no destino) foram as mais leves da caminhada e, querendo ou não, me trouxeram as coisas e pessoas pelas quais devo ser grata. Talvez o que me falte seja a compreensão primeira de que ter fé não é uma simples espera confortável e passiva, mas o aceite de que minha humana pequenez não permite o controle do todo. E às vezes, só às vezes, é redentor jogar a vida no colo de outrem que saiba o que fazer quando eu já não sei mais, nesse difícil trânsito entre a responsabilidade e a humildade. Duvidar é preciso, mas acreditar é dar crédito à vida, é crer que, apesar dos muitos planos que eu tenho pra ela, há muitos que ela tem pra mim também – melhores. 

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Doente dos olhos.


Entendo que estive errada. É que sou desajeitada mesmo, desculpe-me. Minhas falas, e muitas vezes meus silêncios, são irrefletidos; pouco eles têm a ver com sabedoria. Vezes dão certo, muitas outras não. Minha bagagem me ajuda quase nada; na verdade, me confunde ainda mais. As palavras e ações me absorvem muito mais do que eu à elas.
 Já fui mais espantada. Já me surpreendi mais e confesso que essa atitude me causava uma felicidade mais contempladora, como se eu fosse desempacotando o mundo aos poucos, para protelar essa sensação agridoce que é saber um pouco mais. Hoje sou menos afetada, menos curiosa. Mas ainda é latente em mim alguns lampejos de alegria quando descubro algo novo, ainda que não seja bom. Porque saber é uma sensação ambivalente. É uma escolha atrevida, que tira a calma. Sorte minha é que ainda sei pouco. Quanto mais leio, ouço, vivo... Menos sei. Viver cada vez mais e saber cada vez menos pode ser bem assustador. Os anos ajudam no corriqueiro, no trivial, no trato com as pessoas previsíveis e pobres de alma, é a isso que damos o nome de experiência: Quando as coisas deixam de ser novidade apenas pelas estatísticas. Mas, pra quem se dispõe a pensar sobre o mundo, há sempre uma surpresa, um apavoramento. Muitas vezes desejei me colocar junto aos tantos que vejo, que apenas fazem o que precisa ser feito e enxergam as coisas tal qual elas se apresentam. Eu não; eu quero enxergar o que não se mostra e por isso penso, penso...  Não me admira que de tanto pensar, eu esqueça de sentir. Pessoa já havia dito: “pensar é estar doente dos olhos”. Por isso estou aqui, com esses olhos enfermos, que querem enxergar beleza em tudo, mas boicota o belo com o pensamento. Não há nada que deixe as coisas mais insossas do que a racionalidade. Só as crianças é que são felizes.

domingo, 28 de abril de 2013

Gente.


Às vezes não sobra muito mesmo. Mas, no fundo, sempre tem alguma coisa. Sempre tem um fiapo, um cheiro impregnado na ponta dos dedos, quando se abraça o pescoço. Sempre sobra aquele olhar que sobreviveu aos três segundos, e pode fazer com que aquele rosto seja um dia reconhecido. Sobra um sorriso meio sem querer, um “desculpa” depois do esbarrão... Sobra um toque descuidado e despercebido, não tem jeito... Sempre sobra um restinho de gente na gente. Restinhos que vão se acomodando, como tijolos na nossa construção. Aumentando o espaço, o gosto de gente, o gosto por gente. Gente de todo jeito, que vem e logo vai, que foi sem nunca ter vindo; gente que te enrola e você fica querendo; gente que te adora e você vai perdendo; gente que dura um segundo e vale muito; gente que dura uma vida inteira e custa caro; gente que nem sabe o tamanho que ocupa em você; gente que nunca vai saber... Gente que você já esqueceu; gente que você perdeu; gente que te queria perto e você nem percebeu; tem gente que vai e te leva; tem gente que você carrega e pesa; tem gente que some e você agradece; gente pra quem você faria uma prece... Gente que te faz, e gente que te desfaz; gente que nunca mais vai fazer; mas fez.

Gonzaguinha já disse o que eu queria dizer, em melhores palavras e final: “[...] aprendi que se depende sempre de tanta, muita, diferente gente; toda pessoa sempre é as marcas das lições diárias de outras tantas pessoas, e é tão bonito quando a gente entende que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá; e é tão bonito quando a gente sente que nunca está sozinho por mais que pense estar [...]”.

terça-feira, 19 de março de 2013

Sobre o tempo (ou sobre o medo).


Às vezes tenho medo. Um medo daqueles de dar medo. Medo de não haver tempo, porque hoje eu sei que não há. Eu precisaria de mais vidas para experimentar, sentir, gozar e, por que não, doer tudo que quero. Há tanto sentido espalhado sem sentido nenhum. Há tantas pessoas que eu gostaria de conhecer, tantas profissões que eu gostaria de exercer, tanto tudo que eu nada sei dizer. Há tanta coisa pra saber, tantas ciências pra nascer, tantos filmes, livros pra ler... Mas não há tempo. Não falo das horas, dos minutos e de toda essa metodologia pragmática e racional a que o tempo foi submetido. Falo do tempo. O tempo não é medido. É sentido. As horas, percebemos no azedume de uma segunda-feira bege. Os meses, posso medir pela caixa do correio, que acusa mais uma conta a ser paga. Mas o tempo? O tempo eu só percebo quando falta. E ele não falta na correria cotidiana. Ele falta quando percebo as linhas que contornam meus olhos, cada vez mais profundas, mostrando um rosto diferente no espelho numa manhã sonolenta qualquer; ele falta quando vejo que meus sobrinhos já têm preocupações parecidas com as minhas. O tempo falta quando eu me deparo com cartas e bilhetes antigos de uma gente que já foi a mais importante do mundo; falta quando encontro dificuldade em me reconhecer em fotos da infância, ou quando descubro manuscritos meus onde eram colocadas bolinhas, ao invés de pingos nos “i’s”. Foi por isso que senti medo. Porque num ato suicida, eu esqueço que o tempo está aqui, com suas mãos pousadas no meu ombro, e ainda assim só consigo vê-lo no que já fui, e no medo que tenho de não conseguir ser tudo que quero. Medo porque, burramente, enxerguei o tempo como quem enxerga as horas, com certo desdém. Esperei o tempo chegar e agora só o vejo ir. É como se houvesse uma tarja preta e o trecho reservado para a vivência do tempo agora, não existisse. Assim, fico sem saber se viver o tempo não será justamente esse seu esquecimento. Se ele passa, como passa uma pipa perdida, carregando a vida da gente da melhor forma, sem exigir grandes reflexões; ou se é a gente que tem que puxar o fio e levar o tempo pra onde achar melhor, tentando fazer caber nessa fôrma tudo que a gente quer ser, ver, viver. Confesso que eu sempre quis levar o tempo, mas não consegui muito mais do que deixar que ele me levasse... Apressado, como ele só sabe ser. 

domingo, 10 de março de 2013

Pro dia nascer feliz?


Eu sentei na beira-mar e fixei meus olhos cansados no horizonte. Eu sabia que ele estava ali. Eu sabia que ele viria. Já dava para ver a ponta das nuvens mais luminosas, premeditando o evento. Eu queria tanto... Já fazia tanto tempo que aquilo não me acontecia. E era tão bom... No fundo, penso que ele também me queria ali. São poucas as pessoas que o vêem daquele jeito. Eu queria vê-lo tal qual ele quisesse ser visto. Eu o aceitaria como se mostrasse. E só aquele ato de confiança, o ato de enxergar, sem medo, mesmo que ele pudesse ofuscar, mesmo que não correspondesse às expectativas, só aquele ato, já era impregnado de um afeto que me lembro poucas vezes de ter sentido. Mas os minutos foram cruéis e longos e muitos. E, em cascata, trouxeram uma apatia que tomou o lugar do ânimo. O sono me acometeu. Eu não entendi o porquê da sua demora, ainda que pudesse imaginar os motivos da ausência de explicações. Eu o queria muito, mas meu corpo exausto, que já vive em guerras com a minha mente, mandou-me ir. E eu fui. O caminho me distraiu, reparei nas pedras, nas plantas, no calçamento. Também eram belos e cumpriram seu papel. Deve ter sido a mesma distração que ele teve com as nuvens, com o outro lado do hemisfério ou qualquer outro motivo que construiu o atraso. Nos demos as costas. Quando cheguei em casa, finalmente pude enxergá-lo enfiando seus feixes de luz pela janela. Já não adiantava mais. Estávamos em direções opostas agora... Eu talvez fique sempre na esperança de vê-lo chegar. E ele talvez fique sempre na esperança de me ver na beira-mar, esperando. Poderia mesmo ter sido um encontro interessante. Mas não foi. Se ainda fizer sentido, qualquer dia desses, quem sabe.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Vem cá, amigo.


Vem cá, amigo. Isso, sem medo. Pode deitar tua cabeça no meu colo. Não te preocupes se as tuas lágrimas molharem minhas pernas, eu não me importo. Não me importo que teu nariz fique escorrendo ou que o teu rosto consiga ficar feio tamanha dor que ele exprime. Eu vou desviar os olhos quando perceber que você está constrangido ao ter feito um barulho estranho por tanto chorar. Te trago um copo d'água depois, se a gente tiver tempo. Mas vem aqui. Deixa eu te ver, deixa eu saber de ti, deixa eu te prometer que vai ficar tudo bem, mesmo que eu não acredite. Deixa eu acompanhar, deixa eu carregar um pouquinho do teu sofrimento enquanto tu choras. Se  puder, perdoe meu silêncio. É que contemplar tua angústia faz nascer outra em mim. Enquanto te observo, minha mente já percorreu o mundo tentando encontrar mãos que arranquem do teu peito essa dor e, do meu, essa covarde sensação de impotência. Talvez eu não tenha um novo amor pra te dar; é bem possível que eu não tenha grana pra te emprestar; pode ser também que eu nunca diga ao teu pai que ele precisa parar de beber, nem vá trazer de volta alguém que morreu... Mas eu vou estar aqui. Vou tentar fazer tudo certo, viu? Vou estar servindo de escudo, te protegendo do mundo enquanto tu juntas teus pedacinhos. E eu vou segurar tua mão bem forte, vou deixar que tu sintas minha pulsação vibrando na mesma frequência que a tua, pra tu saberes que ainda há vida por aqui.  Tenta dizer pra mim o nome disso que tu estás sentindo. Se não souber o nome, não se preocupe em encontrar as palavras certas, eu vou entender a tua desconexão. Se preferir, fale o quanto quiser, eu não vou te achar chato; e se achar, te conto só depois, quando a gente estiver rindo disso tudo. Pode falar mal de alguém também, eu deixo. Pode duvidar de Deus, eu não vou argumentar. Agora somos só eu e você. Eu, você e o amor que sinto, e a vontade que me toma de te ver sorrindo genuinamente. Mas eu espero. Espero teu rosto desinchar, tua respiração voltar ao normal e você voltar a acreditar. E você volta. Você sempre volta, e respira, e acredita e sorri. E é só assim que eu posso voltar também. Porque não estou contigo... Sou contigo, pelo tempo que o tempo permitir.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

"Amor inventado"

O que me provoca não sei bem, mas permita-me tentar: Talvez um afetamento afetuoso que te apodera do meu sorriso, te empossa gestor do meu ânimo e da minha obsessão por John Mayer ecoando pelo quarto quando estou sozinha. Talvez um tesão bipolar, que oscila na frequência deficiente com que te vejo. Talvez seja um fraterno sentimento que me faz querer para sempre a tua influência sobre mim e, bem por isso, por essa medida de tempo que não existe, por esse "para sempre" que teimo em desejar à tudo que é bom de sentir... Por isso, meu bem, não te quero personagem do meu amor romântico. Te quero assim, como essa entidade que traz possibilidade do meu controle, que criei do meu tamanho e, portanto, para mim, perfeito. Inventei um sentimento que te faz presente sempre que quero, mas não dói na tua ausência, ou quando outras bocas te bebem. Prefiro a gente assim, criadora e criatura, e só. A paixão estragaria tudo. A paixão faria eu me apaixonar e eu teria que perder você, porque é assim que acontece. Te amo por mim. É um amor de propósito, premeditado. Te amo porque não te quero. Tenho as ideias liquidificadas de quem ama, mas não tenho a apatia e cólera dos que sofrem. Tenho teu sorriso sincero, sem os vícios e receios que talham a verdade nos relacionamentos amorosos. Tenho a possibilidade de ousadia, que arranca o medo de você se reconhecer nessas linhas, porque confio no que sinto. Confio em você. Vez ou outra te refaço, é verdade... É que te quero bem; te quero cuidar e quero o tanto quanto tu possas me afetar. Te quero, principalmente, por esse não querer. E é assim que deixo nossa relação perto da eternidade, que não existe. Como tudo isso.

sábado, 26 de janeiro de 2013

"Feito pra acabar"


                 As coisas foram feitas para acabar.  Você precisa se acostumar. A cerveja, o final de semana, a infância, o amor... É preciso acabar. Somos roubados pelo tempo o tempo todo. E não tem choro nem vela. Não adianta argumentar, querer só mais um segundo, mais uma palavra, um beijo. O tempo e o fim são filhos de um mesmo pai agiota. Não adianta ler devagar o bom livro, pausar aquele baita filme... É preciso acabar. As coisas acabam porque não somos capazes de suportar a eternidade delas. Algumas sensações são tão inebriantes que nos tomariam a sanidade se permanecessem por longo tempo.

                     Ninguém suporta amor demais. A pele eriça, a boca se transforma numa fenda profunda, as costelas não são capazes de conter uma respiração atrevida e inconstante. É uma esquizofrenia que não encontra pagadores dispostos ao seu preço. Ninguém suporta cólera demais. É um gosto acre diluído nas veias, capaz de apodrecer a juventude. Sobre a tristeza, desnecessário descrever os porquês da sua indigesta permanência. Ninguém suporta sempre, nada. "A gente é feito pra acabar [...] a gente é feito pra caber"*.  E estou longe de acreditar que isso seja um revés da vida. É o seu fluxograma incorrigível. Cedo ou tarde é preciso parir nossas barrigas, mentes e corações, que vivem grávidos, gestando um monte de gente, um monte de sentimento, um monte de saudade... É preciso acabar. Saudosistas que se aprumem, que deixem que as coisas acabem sem fazer da vida um funeral constante, um luto pelo que já não faria sentido continuar. Ainda que seja doce, ainda que seja grande, sendo amargo, angustiante... As coisas foram feitas para acabar. Você precisa se acostumar.